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Reflexão

O feminismo expresso através da arte

Estudantes do Instituto Federal Sul-rio-grandese (IFSul), campus Venâncio Aires, falam sobre assédio, busca pelos padrões de beleza e pressão midiática voltada às mulheres na peça ‘Fêmea, alvo de caça’

por Taís Fortes

Um estudo do Instituto de Pesquisas Datafolha publicado em janeiro deste ano aponta que 42% das mulheres brasileiras, com 16 anos ou mais, já foram vítimas de assédio sexual. Além disso, um levantamento feito pela Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, publicado na Agência Brasil em agosto, mostra que quase dez mil mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativa de homicídio por motivos de gênero nos últimos nove anos.

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Você já parou para pensar sobre o que esses números representam? Já se perguntou como uma mulher se sente ao ser julgada pela sociedade com base nas roupas que veste ou na sua forma de arrumar o cabelo? Em como ela luta e se frustra para alcançar os padrões de beleza impostos pela era midiática e informatizada? Ou no quão doloroso é para ela ouvir ‘piadinhas’ a assovios simplesmente por estar caminhando em algum lugar público?

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É com base em reflexões como essas, que o Grupo Lua de Teatro, formado pelos estudantes do Instituto Federal Sul-rio-grandese (IFSul), campus Venâncio Aires, Abrão Drago Braga, 18 anos, Gabriela da Silva Huyer, 17 anos, Luíza Jost Santana, 17 anos, Natália Gerlach, 17 anos e Stefana Baumgarten, 17 anos, coordenado pelo professor de teatro Marcio Rodrigues, criou a peça teatral ‘Fêmea, alvo de caça’.

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O espetáculo ‘ganhou vida’ no Dia da Mulher deste ano (2018) e é uma junção de três intervenções diferentes realizadas no dia 8 de março no IFSul Venâncio Aires. “A peça é composta por três fragmentos. O primeiro falando sobre padrão de beleza; o segundo sobre pressão midiática; e o terceiro sobre assédio e abuso”, explica Abrão. Gabriela acrescenta que a apresentação busca causar um estranhamento de coisas que são completamente normalizadas na sociedade e também gera uma reflexão.

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LEIA MAIS: Alunos do IFSul realizam peça teatral sobre feminismo

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Após o término da peça, o grupo ainda realiza um debate com as pessoas que estão na plateia. “Trabalhamos com uma teoria do teatro chamada distanciamento, que é quando pegamos o habitual, o que é considerado normal pela sociedade, e apenas expomos ele e as pessoas vão por si só ver o erro, vão se sentir desconfortáveis”, explica Abrão.

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De acordo com o ator, durante o debate é possível ver os espectadores se identificando com as situações interpretadas e, em muitas ocasiões, mulheres choram e dão depoimentos acerca do que foi exibido no espetáculo. “Teve um caso em que, na primeira apresentação, alguns garotos riram, enquanto colegas do lado choravam. Depois, na segunda vez, a gente viu a concretude da peça quando os meninos estavam com uma atitude mais respeitosa. Percebemos que o nosso teatro funcionou”, observa.

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O debate

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Para Natália Gerlach, integrante do grupo teatral Lua, o debate é uma oportunidade de os espectadores poderem, de alguma forma, expor aquilo que estão sentindo em relação ao que foi apresentado. É um espaço onde eles podem contar suas percepções a respeito do espetáculo e também relatar situações semelhantes que já vivenciaram. “A gente comenta no debate que usamos a peça para pôr para fora tudo que já sentimos, tanto que em alguns ensaios já aconteceu de ficarmos maus pensando em que tudo que já passamos”, pondera.

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De acordo com a estudante, no início, as pessoas ficam um pouco tímidas, mas no decorrer da conversa vão sendo contados relatos, até chegar o momento em que o grupo não fala mais nada e as pessoas da plateia começam a levantar a mão para contar alguma história. “O público que vai fazendo o debate e nós só vamos observando”, compartilha.

Para outra menina que faz parte da apresentação, Stefana Baumgarten, o que o grupo faz com a peça é causar o estranhamento e mostrar as questões ligadas à pressão midiática, aos padrões de beleza e ao assédio que as mulheres sofrem. “Isso acontece muito, mas é normalizado. E nós trazemos para a peça de uma forma bem forte para que as pessoas percebam que isso realmente acontece e para elas estranharem e se questionarem: será que isso é normal? Será que está certo? ”

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Na opinião dela, o debate é muito relevante, porque é um momento de reflexão e de conversa, um espaço para que cada um possa expor aquilo que pensa e acredita sobre o assunto. “A peça te traz o questionamento e o debate te oferece um lugar para tu poder falar o que tu sente e o que tu acha sobre aquilo. E também para os meninos verem que não estamos trazendo o assunto só na peça, mas que as colegas e professoras deles passam por isso”, analisa.

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Luíza Jost Santana, estudante que também compõe o elenco de ‘Fêmea, alvo de caça’, observa que durante o espetáculo é comum ver meninos rindo enquanto meninas choram, e que esse acontecimento é trazido para a discussão na hora do debate. “A peça é um tratamento de choque. Trazemos ela para impactar. Queremos mostrar que não estamos tratando de algo que não acontece e também não queremos impor o que estamos apresentando como verdade absoluta”, considera.  

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Além disso, Luíza, Natália e Stefana acreditam que o machismo é algo ainda muito enraizado na sociedade, principalmente porque ele está ligado a fatores culturais com os quais estamos adaptados a viver. “Não vamos conseguir com uma peça fazer com que as pessoas deixem de ser machistas, mas as faremos pensar sobre isso. E esse é o nosso principal objetivo: plantar uma sementinha para o futuro. Não lutar só por mim, não lutar só por nós, mas sim, por todas as mulheres que estão vivas e por aquelas que ainda vão vir”, salienta Stefana.

 

Para elas, o machismo é algo presente tanto em homens quanto em mulheres, e muitas vezes atitudes que parecem pequena aos olhos de quem faz, podem causar grandes sofrimentos para as mulheres que passam por essa situação. “São pequenas coisas que acabam afetando o dia e a vida de uma mulher e às vezes não se percebe”, avalia Luiza. “Quando a sociedade diz que um menino não pode chorar, não pode usar rosa, não pode ter sentimentos, isso é o machismo afetando eles”, complementa Stefana.

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Outro assunto trabalhado durante essa conversa é a importância da sororidade, de as meninas e mulheres precisarem se apoiar. “Falamos que essa competição que a sociedade impõe, de que eu tenho que competir com a minha colega do lado, é errada e muito tóxica para a nossa relação, porque parece que sempre estamos sozinhas, que não podemos falar com a amiga porque estamos competindo com ela”, pondera Natália. “Isso acaba alimentando essa corrente do machismo, porque tu está sempre julgando as meninas que estão perto de ti”, acrescenta Luiza.

 

O grupo também busca conscientizar quem assiste à peça ‘Fêmea, alvo de caça’, sobre a importância de nos amarmos da maneira que somos e a respeito do fato de estar tudo bem não nos sentirmos felizes todos os dias. Além disso, salientam que os padrões de beleza estão em constante mudança e por isso muitos indivíduos sofrem por não conseguir alcançá-los.

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Foto: Juliana Becnke /Folha do Mate

Grupo de Teatro Lua é o responsável pela criação e apresentação da peça ‘Fêmea, alvo de caça’

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Foto: Juliana Becnke /Folha do Mate

Teatro aborda a busca do corpo perfeito e os padrões de beleza impostos para as mulheres

Foto: Juliana Becnke /Folha do Mate

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Durante a peça, as atrizes demonstram o quanto as imposições de belezas podem causar sofrimentos

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O diálogo sobre feminismo com adolescentes

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A peça ‘Fêmea, alvo de caça’ já foi apresentada no Instituto Federal Sul-rio-grandese (IFSul), campus Venâncio Aires e Camaquã, na Feira do Livro de Venâncio Aires e, mais recentemente, em outubro deste ano (2018), no Festival Mundial de Teatro Adolescente Vamos que Venimos, na Argentina. A maior parte do público que já assistiu à peça é formada por adolescentes.

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Para Luiza, abordar o tema feminismo com este público é importante porque essa é uma geração que tem acesso a muita informação, tanto verdadeira quanto falsa. “É uma junção do passado, devido aos conceitos que aprendemos com os nossos pais, com o excesso de informação que estamos vivendo agora. Por isso, nosso objetivo na peça é fazer pensar, para não ficar só na base do que a gente trouxe. Esses são alguns casos, apenas”, analisa.

 

Para Stefana, apresentar a peça para esse público se torna importante porque os jovens estão em uma fase de muitas mudanças. “Mudamos de opinião de um dia para o outro, principalmente por causa dessas informações que temos. Então, levar informação para as pessoas que estão em fase de mudança é uma forma de dizer para elas: olha, tem essa opção aqui também”, comenta.

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Natália acrescenta que trabalhar com jovens é mais fácil porque o grupo responsável pela peça também é formado por pessoas desta faixa etária e que pelo fato de esta ser uma geração que vive em constante mudança, há uma maior probabilidade de se conseguir mudar a forma como eles veem o assunto. “Em algum momento tu vai pensar sobre isso. Tu vai começar a chegar em casa e observar como as coisas acontecem ali, por exemplo”, menciona.

 

Gabriela acredita que apresentar a peça para meninas adolescentes é importante para elas verem que não estão sozinhas e que isso não acontece só com elas. Já para os meninos, ela cita o fato de mostrar que uma atitude, por mais pequena que seja, pode causar um sofrimento gigante em uma pessoa. “Um simples assovio pode fazer uma mulher chegar em casa e chorar muito. É importante mostrar o outro lado, até para gerar empatia. Além disso, a nossa geração permite que falemos um pouco mais sobre esses assuntos, que sempre foram tratados como tabu”, considera.  

 

O professor de teatro Marcio Rodrigues destaca que a peça é muito interessante porque surgiu a partir de uma discussão proposta pelas próprias meninas do grupo Lua. Ele também reforça que o objetivo principal do espetáculo é a reflexão. “A arte sempre foi muito poderosa nisso. Ela levanta as questões emocionais, acessa o nosso inconsciente”, pondera.

 

Para Abrão é importante que as pessoas assistam a peça justamente porque ela aborda o feminismo e alguns aspectos cruéis que as mulheres vivem, os quais já se tornaram habituais na sociedade e apenas deixarão de existir quando se expor e falar mais sobre eles. “O machismo não vai acabar de uma hora para a outra. Toda a sociedade é machista. Então, o processo vai demorar muito para acontecer, mas estamos fazendo a nossa parte trazendo arte”, comenta. O estudante ressalta que para ele o grande aprendizado da peça é sobre ter empatia e compaixão por todos.

 

Confira relatos de algumas pessoas que assistiram a peça 'Fêmea, alvo de caça'.

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O elenco de 'Fêmea, alvo de caça'

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