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Elas por elas

Um audiolivro sobre o protagonismo feminino

Projeto desenvolvido por estudantes de Venâncio Aires busca aproximar as crianças de histórias a respeito de mulheres reais

por Taís Fortes

Para além do mundo encantado, recheado de princesas que sempre têm um final feliz ao lado do seu amado, as histórias de Anne Frank, Caá-Yari, Carolina Maria de Jesus, Frida Kahlo e Malala falam de mulheres reais, que não vivem apenas momentos alegres, mas também passam por períodos de dificuldades e superação. E foram estas personalidades que inspiraram os alunos do 9º da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Alfredo Scherer, de Venâncio Aires, na realização do projeto ‘O protagonismo feminino em histórias reais, narradas para crianças em um audiolivro’.

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A atividade, que iniciou em 2017, a partir de uma ação alusiva ao Dia da Mulher, celebrado no dia 8 de março, ultrapassou as paredes da sala de aula quando as idealizadoras participaram da Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec) Júnior, em Novo Hamburgo, em outubro do ano passado. Depois de ser premiado no evento, o audiolivro ‘Elas por Elas’, composto pela narração das histórias daquelas mulheres reais, se classificou para a XI Feira de Ciências e Tecnologia do Colégio Girasoles, no Paraguai, que ocorreu em agosto deste ano (2018).

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Com a participação, os estudantes da Emef Alfredo Scherer conquistaram algo inédito em Venâncio Aires: eles foram os primeiros a terem um trabalho de âmbito escolar apresentado em uma feira internacional. E as conquistas não pararam por aí: depois de se destacar no Paraguai, o projeto se credenciou para a Feira Internacional de Educação, Ciência e Tecnologia (Cientec) em Lima, no Peru, que ocorrerá em novembro do próximo ano.

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Foto: Arquivo pessoal

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Kellen, Fernanda, Kellen e Guilherme durante a participação na Mostratec Júnior, em Novo Hamburgo, em 2017

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Como tudo começou

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De acordo com a estudante e apresentadora do projeto, Kelli Maria Guterres, de 16 anos, a atividade teve início quando a professora Fernanda Saldanha trouxe para a aula a música ‘Ela encanta’, da cantora Marina Peralta. A proposta era que a partir da canção a turma produzisse um vídeo, no qual cada aluno falasse um verso. “Fizemos a gravação e ela fez muito sucesso”, relembra Kelli.

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A partir deste momento, a turma iniciou uma discussão sobre o feminismo. “Tivemos a ideia do projeto porque começamos a discutir qual era a referência que as crianças tinham de mulheres. E as referências são todas de princesas, nunca é de uma mulher forte e independente, que conquista as coisas sozinha”, relata a estudante e outra apresentadora do projeto, Kellen Letícia Hoffmann, de 15 anos.

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Por meio da iniciativa, os alunos queriam proporcionar aos pequenos uma forma de ter acesso a histórias que não fossem apenas as mais comuns nas escolas e nas casas delas – os contos de fadas. “Pensamos no que podíamos fazer para que as crianças tivessem outras referências e então demos início ao projeto”, acrescenta a professora de Arte e orientadora da iniciativa, Fernanda Saldanha.

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A escolha pelo público infantil como foco da produção se deu porque a turma acredita que a geração é o futuro da sociedade. “Se fôssemos contar isso para um adulto ele já teria a cabeça formada e seria um pouco mais difícil de entender. Já as crianças guardam tudo o que falamos e em algum momento vão recordar”, comenta Kelli.

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Apesar das narrações das histórias no audiolivro serem feitas apenas com vozes femininas, a professora Fernanda ressalta que todas as decisões a respeito do projeto sempre foram tomadas com a turma toda, ou seja, envolvendo meninos e meninas. Além disso, a pesquisa que embasou a construção das narrativas foi realizada pelos estudantes.

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Distribuição

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O desejo da turma não era apenas produzir o audiolivro, mas também encontrar uma maneira para que, de fato, ele chegasse até as crianças que frequentam os anos iniciais das escolas municipais de Venâncio Aires. Assim, com muita vontade, dedicação e o apoio da Secretaria Municipal de Educação da Capital do Chimarrão, as estudantes Kelli e Kellen, acompanhadas da professora Fernanda, realizaram durante um ano a entrega presencial do material. No dia da visita à instituição de ensino, além de disponibilizar o CD com as narrações, as estudantes contavam, devidamente fantasiadas, às crianças a história de Frida Kahlo, interpretada por Kellen, e Carolina Maria de Jesus, personagem adotada pela Kelli.

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Depois de cada apresentação, alunas e professora promoviam um momento de reflexão com os estudantes e educadores que participavam da ação. “Discutimos com eles o fato de essas histórias serem reais, de pessoas como a gente. Aproveitamos para questionar se nossos dias são sempre felizes, se só vivemos momentos bons. E eles logo respondem que não, que tem dias que eles estão tristes”, compartilha a professora Fernanda.

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Para ela, o audiolivro é uma nova forma de ouvir histórias e o projeto é importante para que as crianças identifiquem nas suas famílias e também no ambiente escolar mulheres fortes e que são exemplos. A professora de Arte também acredita que ouvir essas histórias ajudará na formação de uma sociedade mais igualitária, pois as meninas que escutam o relato entenderão, quando adultas, que podem ser independentes, e os meninos terão a consciência de que é necessário respeitar as mulheres.

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Para a pedagoga Ana Maria Guimarães, que atua na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Tiradentes, uma das instituições que recebeu o projeto, a iniciativa é inovadora. “Ela é diferente porque não são histórias de contos de fada, mas sim da realidade. Fala de mulheres que lutaram, enfrentaram inúmeras dificuldades e não se deixaram abater”, comenta.

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Ana ainda compartilha que, após ouvirem a história, seus alunos tiveram um momento para pensar nas “Fridas” que vivem com eles e que são heroínas nas quais eles podem se espelhar. “Estes alunos também estão tendo uma oportunidade, desde pequenos, de reconhecer ainda mais a luta de cada mãe e avó, por exemplo. De ver que na vida há muitos obstáculos para conseguirmos alcançar os nossos objetivos. ”

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A escola é um ambiente de descobertas e importantes aprendizados. Além disso, é neste espaço que as crianças intensificam o contato com as diferenças e diversidades. Por isso, as instituições de ensino se tornam locais de extrema importância para o debate de assuntos sociais, como o feminismo. Quem explica mais sobre esse assunto é a professora de Sociologia Larissa Harres Zucchelli Bittencourt. Confira o áudio da entrevista:

Entrevista - Larissa Harres Zucchelli Bittencourt -
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O relato de quem coloca o projeto em prática

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Kelli Maria Guterres

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“A reação das crianças é incrível quando tu tá contando e chega em algumas partes chocantes, por exemplo. A Carolina Maria de Jesus morava na favela e era uma mulher muito pobre, que não tinha condições de dar um presente nos aniversários dos filhos. Uma vez, quando era aniversário da filha, ela encontrou um sapato no lixo e deu ele para a menina. A partir disso, refletimos com eles sobre o fato de que, por exemplo, tu não precisa comprar algo para que a tua filha seja feliz, porque a Carolina encontrou o sapato e a filha dela gostou do mesmo jeito. Quando contamos esse trecho da história as crianças ficam impressionadas e depois quando a professora Fernanda faz o momento de reflexão, elas lembram de situações que vivem. É muito legal, porque tu vê que elas realmente contam a vida delas e se percebe a importância do audiolivro para elas.”

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Kellen Letícia Hoffmann

 

“Comigo é mais ou menos a mesma coisa, só que minha história é um pouco mais chocante. Isso porque, aos 6 anos, a Frida fica doente, uma perna dela fica mais curta que a outra e ela sofre bulliyng por isso. Aos 18 anos, ela sofreu um acidente enquanto andava com o bonde. E as crianças entram muito na história. Apesar de eu não ter experiência nenhuma com público infantil, eu gosto muito de contar as histórias. É muito legal. ”

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Um novo audiolivro vem aí

 

Com o encerramento das atividades do primeiro audiolivro do projeto, o grupo formado pela professora Fernanda e pelas estudantes Kelli, Kellen e também por Guilherme Zawaadski, de 16 anos, responsável pela edição dos áudios, já dá início aos preparativos de um novo produto.

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Desta vez, a ideia é narrar cinco histórias de mulheres venâncio-airenses. Após abrir um período para o envio de sugestões pela comunidade, o grupo recebeu 12 histórias. A partir do ano que vem, eles começarão a fazer os contatos com essas mulheres ou com as famílias delas, no caso das que já tiverem falecido. A expectativa é de que este segundo CD esteja pronto para a distribuição nas escolas no início do ano letivo de 2019.

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