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Movimento

Lésbicas que dão a cara a tapa

Exponenciais em diversas áreas midiáticas, mulheres contam as suas experiências com a representatividade

por Giovana Brasil

“O que não é visto, não é lembrado.” O pensamento comum e expressão muito usada traz bastante sentido. Pode parecer bobagem para alguns, mas se fazer lembrar e se colocar em lugares que antes não eram ocupados é se posicionar perante a falta de representatividade. Por isso, mulheres lésbicas têm, a cada dia, dado mais a cara a tapa e se apresentado abertamente: sem medo de ser e de se dizer sapatão. Ao passar pela descoberta ou aceitação de ser diferente, é comum procurar referências para tentar se entender e aceitar a vida fora do armário de uma forma mais leve. E é impossível discordar de que hoje essa referência está na internet, nos livros, nas revistas, no entretenimento e na televisão. Quem não gosta de se sentir representado na mídia?

           

A indústria musical, por exemplo, pode abrir portas para um reconhecimento importante. Saber que você é parecida com uma artista, que vocês têm gostos semelhantes e que aquela música que te toca, de alguma maneira, foi escrita a partir de uma vivência em comum – eis aí algo que não tem preço, para quem aprecia a arte. A ideia serve também para um youtuber: é preciso nos reconhecer naquela pessoa para acompanhá-la.

E quando, então, uma jovem de 23 anos reúne a paixão pela música, o talento no Youtube e se assume? É sucesso na certa! É o caso da Anna Julia Vendruscolo de Oliveira, moradora de Erechim, no Rio Grande do Sul. Talvez você a conheça por Anna Bagunceira, nome que adotou no canal do YouTube. A conta foi criada com o intuito de divulgar-se como cantora, lançando-se na carreira artística, o que fez com muita garra. Mas, com o passar do tempo, o canal tornou-se um espaço para história pessoais, reações espontâneas de clipes dos artistas favoritos e de muitas brincadeiras com o público - sem, é claro, abandonar as músicas e clipes.

       

Com a transformação do canal em um espaço pessoal, e não apenas de carreira, foi inevitável que a orientação sexual da Anna não ficasse explícita, apesar de não ser o ponto de partida. “Em nenhum momento cheguei e falei: ‘Oi, sou lésbica!” Foi algo natural, porque essa sou eu. A Anna Bagunceira faz parte da Anna Julia, então toda vez que rola um vídeo de reação, uma história, comentários sobre filmes, enfim, qualquer vídeo, naturalmente eu vou falar sobre estar apaixonada naquela artista, sobre a sofrência de ser sapatão”, comenta ela, aos risos. A esperança em um futuro sem preconceito vem da naturalidade com a qual ela trata o assunto, já que é acompanhada por milhares de adolescentes que crescem com outra visão de mundo.

          

Apesar do sucesso, com 154 mil inscritos no canal, Anna sente a distorção da indústria sobre a imagem da comunidade LGBT+ em prol de lucro. Mas ela acredita que as coisas estão melhorando: “Hoje, muitas artistas simplesmente fazem sua arte com sua essência e isso independe da sexualidade. Hayley Kiyoko é uma grande inspiração pra mim por ser uma garota lésbica cantando sobre sua vida e ponto.”

           

Aos poucos a representatividade vai ganhando força, seja na música ou nas páginas das revistas. A Brejeiras, por exemplo, surgiu a partir de uma reunião de amigas, que debatiam a falta do lugar de fala da mulher sapatão nas mídias tradicionais. Aí, criaram a revista, que foi lançada neste ano e já está em sua terceira edição. A publicação é feita por cinco mulheres lésbicas - Camila Marins, Cris Furtado, Laila Maria, Luísa Tapajós e Roby Cassiano, que gritam em coro: representatividade é importantíssima!

           

O exemplo mais claro da diferença que a representação faz é o sucesso que a revista alcançou já nos seus primeiros exemplares, esgotando os 100 números em apenas algumas horas, com reimpressão de mais 250 exemplares, que acabaram em poucas semanas. “Diante dessa demanda, apostamos na segunda edição em uma tiragem de mil exemplares que estão praticamente esgotados”, comentam as fundadoras.

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Assim, surgiu a Brejeiras: “como uma necessidade de resistir, com afeto, com nossos corpos e amores”, comentam as criadoras. As leitoras da revista podem encontrar música, comida, lazer, cultura, sexualidade, história e muitas referências sobre ocupar o espaço de mulher lésbica nas páginas do periódico.

           

Do mesmo jeito, a literatura lésbica pode fazer - e faz - a representatividade chegar ainda mais longe. A Editora Vira Letra surgiu com essa intenção, de publicar um tipo de literatura que não tem espaço nas grandes empresas. Com o tempo, foi se especializando na literatura lésbica, principalmente por acreditar na pluralidade da mulher sapatão, produzindo, hoje em dia, só livros com essa temática.

           

Enquanto algumas pessoas veem a representatividade como insignificante, por serem representadas o tempo todo, aquelas que precisam se reafirmar todos os dias acreditam que ela é fundamental. Quando se é criança, então, na busca por referências, ela é ainda mais forte! “Imagina uma criança que não se vê representada em lugar nenhum, que não consegue enxergar a sua existência? Ela não vê a sua existência refletida em lugar nenhum, ela não consegue enxergar sua existência além de si mesma”, comenta Manuela Neves, proprietária e editora na Vira Letra.

           

Poder se enxergar em alguém é um alívio e uma forma de ter uma vida mais saudável, além de ser uma discussão a menos para ser ter no consultório do psicólogo. “Quando eu falo de representatividade, eu estou falando da possibilidade de identificação com alguém que - apesar de toda a dor, apesar de todo o preconceito, apesar de toda a estrutura opressora do mundo - conseguiu viver. Conseguiu existir seguindo, respeitando e mostrando a própria essência”, salienta Manuela.

           

Estar nas mídias, se fazer lembrar, dar a cara a tapa e se dizer sapatão a quem quiser ouvir é o que liga Anna, as Brejeiras e Manuela. Todas buscam representatividade, vida, sonhos, objetivos. E essas conquistas podem vir em forma de música, de canal no YouTube, nas páginas dos livros ou revistas. A representatividade pode vir de onde ela for instigada. Ela importa - e muito!

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Interação com o público

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Fala, Manu!

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“Muitas das nossas leitoras sentiram e sentem a mesma sensação que a gente em relação à falta de representatividade. Nós sabemos o que é sentir isso e, assim, nossa relação fica bem próxima. Muitas delas fazem questão de dar um retorno sobre como os livros ajudaram nas vidas delas, e esses retornos são sempre tão positivos e importantes que nos ajudam a seguir em frente! Procuramos sempre ter um relacionamento muito próximo com as nossas leitoras e, assim, posso dizer que acredito que estamos compreendo aquilo que nos propomos!” - Manuela Neves, proprietária da Editora Vira Letra.

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Fala, Anna!

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“Recebo muitas mensagens! São pessoas que estão se assumindo para a família e me agradecem por abrir minha história, pessoas que me pedem ajuda em relação a questões familiares e preconceitos e muitas mensagens maravilhosas me agradecendo pelo conteúdo que eu tenho feito.” - Anna Julia Vendruscolo de Oliveira, 23 anos, youtuber e cantora.

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Fala, Brejeiras!

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“A revista tem sido bem aceita pelas ‘sapatão’. Nós não imaginávamos que os primeiros 100 exemplares da revista iriam esgotar em apenas duas horas. O evento de lançamento da primeira edição foi uma noite que demonstrou a força das mulheres lésbicas e a necessidade de projetos como a Brejeiras. Ao longo de 2018 temos sido constantemente abordadas por nossas leitoras, nas redes sociais ou nos eventos que participamos, com elogios e relatos sobre a importância da revista, ou de como estamos ‘fazendo história’ com a Brejeiras. Essas reações nos deixam muito felizes, mas também impressionadas com o tamanho e importância que o projeto alcançou.” - Camila Marins, Cris Furtado, Laila Maria, Luísa Tapajós e Roby Cassiano, fundadoras da Revista Brejeiras.

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