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Identidade

As vozes negras

não silenciadas

A força negra feminina na luta por espaço, reconhecimento e contra o racismo na sociedade santa-cruzense

por Lucimara Silva

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Foto: Divulgação

A imigração de alemães e italianos para o Sul do país alimenta até hoje a imagem de um Rio Grande do Sul com ar europeu - continente com pessoas de características predominantes como a pele branca, cabelos claros, olhos azuis ou verdes. Localizada na região do Vale do Rio Pardo, Santa Cruz do Sul é um dos principais núcleos da colonização alemã no estado. Porém, com o passar dos anos, a chegada de diferentes raças e culturas fez com que a cidade se transformasse, tornando-se um lugar miscigenado.

Os traços da predominância antiga, contudo, ainda marcam a vida de inúmeras pessoas que lutam por igualdade dentro do município em suas diversas esferas. As mulheres negras, por exemplo, com o surgimento dos grupos, associações, e movimentos sociais de apoio e conscientização, têm se posicionado cada vez mais na luta por direitos, espaço, reconhecimento, valorização e contra o racismo eminente.

Nascida no bairro Bom Jesus, zona sul do município, considerado um dos mais violentos e carentes, Marta Nunes tem hoje 46 anos. Negra, a professora universitária integra a galeria de exposição que protagoniza a história de 50 mulheres que ergueram suas vozes e consolidaram seu espaço, independentemente da época, em nível local, regional e nacional. A amostra foi promovida pela Associação Pró-Cultura de Santa Cruz do Sul em março deste ano na Casa das Artes Regina Somonis. “Me considero resistência e força negra feminina”, diz orgulhosa ao justificar sua participação na exposição que valorizou a história de mulheres como Lya Luft, Elza Soares, Vera Flores e Marie Curie.

Foto: Arquivo pessoal

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Foto escolhida para compor a galeria das 50 mulheres homenageadas

"Me considero resistência e força negra feminina”- Marta Nunes

Batalhadora, Marta formou-se em Química Industrial pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e a paixão pelos estudos e busca por conhecimento a levou ao mestrado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutorado na Universidade de São Paulo (USP), um pós doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um pós-doutorado na Universidade da Califórnia. “Ao longo da minha trajetória profissional (e de vida), fortifiquei o envolvimento com movimentos sociais. Hoje defendo as políticas públicas para negros, não por achar que resolverão as desigualdades - resultantes de um processo de escravização de 350 anos -, mas por considerá-las justas e com potencial para melhorar a vida de diversas pessoas”, conta.

A professora também ficou conhecida por criar e desenvolver a campanha Pretinhosidades, que traz fotos de crianças negras e o slogan “Santa Cruz também é negra”, pensada para, justamente, reafirmar o espaço da comunidade negra no município. A luta contra o racismo de forma ampla faz parte do cotidiano de Marta, mas, sobretudo, ergue a bandeira da militância pelos direitos das mulheres negras. “Acredito no poder transformador da educação e almejo inspirar as mulheres negras por todo mundo”, enfatiza. Segundo a pós-doutora que palestra sobre a temática por todo o Brasil, a cultura escravocrata carrega estereótipos que atingem as mulheres negras e elas acabam sendo associadas ao trabalho braçal e vistas apenas como objetos de desejo masculino. “São construções sociais que precisam ser desfeitas, pois perseguem as mulheres afrodescendentes a vida inteira”, explica.

Foto: Luciele Oliveira

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Campanha ganhou repercussão ao evidenciar crianças negras como o futuro de Santa Cruz do Sul

Empoderamento feminino negro

 

A história de Marta, cruza com a de Chaiene Nunes quando o assunto é luta por espaço. Chaiene, por sua vez, trava a batalha pelo empoderamento feminino negro em Santa Cruz do Sul. Aos 37 anos, ela é dona do seu próprio salão de beleza, que atende a todos os públicos, mas com ênfase na beleza afro. Chai, como é conhecida na cidade, conta que, como profissional, tenta incentivar as mulheres a se aceitarem naturalmente. “Vivemos em um mundo em que éramos praticamente escravas do alisamento de cabelo. Hoje em dia o empoderamento e aceitação da mulher negra estão muito em evidência. Se cada uma soubesse cuidar do seu cabelo, imagina quanta identidade teríamos exposta nas ruas”, exclama a cabeleireira.

Ela comenta que a procura era grande por procedimentos químicos de alisamento e hoje, graças aos movimentos de conscientização e valorização da beleza da mulher negra, bem como ao surgimento de novas marcas de cosméticos específicos para cabelos crespos e cacheados, a procura de mulheres interessadas em se desfazer da forma natural do cabelo reduziu consideravelmente. Chaine comenta que “brinca” com o próprio cabelo. “Ora crespo, ora liso, mas porque me amo assim, e não por uma ditadura da beleza imposta pela sociedade”.

Se hoje para a empresária é fácil ser santa-cruzense, nem sempre foi assim. “Já fui atingida pelo estereótipo da mulher negra inúmeras vezes. Me recordo que quando vim morar aqui há 15 anos eu não conhecia os locais e andava na rua a qualquer horário sem problemas. À noite, quando ia no mercado ou ia ligar para a família no orelhão da esquina onde morava, por várias vezes fui confundida com garota de programa. Mas nunca me deixei abater”, finaliza esperançosa por uma sociedade mais respeitosa e igualitária.

Fotos: Arquivo pessoal

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“Ora crespo, ora liso, mas porque me amo assim, e não por uma ditadura da beleza imposta pela sociedade"

Galeria de depoimentos

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